Zé de Jesus, o caçador de Coronavírus
Por Astrogildo Miag*
De nome José de Jesus dos Santos, conhecido naturalmente como Zé de Jesus. Mora em pequena cidade do interior, de bem com a vida pedalando a bicicleta já usada, comprada com o ganho de trabalhador braçal. Foram meses catando peças para bem arrumá-la. Como resultado transformou-se em mecânico de bicicletas, instalando a oficina no terreno ao lado da casa da mãe. A labuta estende-se de sete da manhã até o escurecer. Aos domingos encerra ao meio-dia e sai sem rumo pela caatinga carregando um cacete de tucum, arma contra bicho do mato.
Era a rotina até a notícia do aparecimento de uma doença matando gente no mundo todo. Após dias matutando, sem “que nem pra que” Zé de Jesus resolveu arribar no mundo para conhecer a tal doença. A mãe só faltou morrer com a notícia; pediu ajuda até ao delegado. Chamado, a autoridade foi direta ao assunto:
— Sua mãe disse que o senhor quer ir atrás do Coronavírus. Que história é essa?
O rapaz disse estar pronto pra viajar. O delegado franziu a testa:
— Sério? Esse vírus já provocou milhares de mortes! As pessoas correndo pra não morrer e você quer ir pra cima?
— Vou arribar pelo mundo, delegado. O serviço tá pouco, as pessoas com medo uma da outra. Quero ver de perto esse tal Coronavírus.
A autoridade insistiu, prometeu até cadeia, sem êxito:
— Delegado, não vou virar criminoso. Quero descansar um pouco a cabeça e conhecer esse bicho.
O delegado lavou as mãos, nada podia fazer. O rapaz adiantou os planos da viagem:
— Vou ajeitar a bicicleta, adaptar pra guardar água e comida. Se me pararem pra saber de onde venho ou pra onde vou, pra todos os efeitos moro bem ali e estou indo pra casa.
Assim, dia ensolarado de março, Zé de Jesus montou na bicicleta bem equipada e ganhou o mundo atrás do tal Coronavírus. O comentário na cidade era que o rapaz endoidecera; não ia atrás da doença, ia atrás era da morte!
Dez dias depois a Televisão falava sobre a expansão do Coronavírus no mundo. A reportagem mostrou um ciclista pedalando na rodovia de acesso à Feira de Santana, BA. A mãe gritou:
— Olhe meu filho ali!
O grito maternal parece ter sido ouvido pela pequena cidade. Viram e acompanharam quando um policial rodoviário, usando máscara de proteção ao Coronavírus, ordenou que Zé de Jesus parasse no acostamento. O ciclista desceu, levantou as mãos sobre a cabeça. Foi revistado, nada ilegal encontrado. O policial pediu os documentos. Zé de Jesus tirou a carteirinha do bolso e apresentou.
A abordagem foi bem focada pelas câmeras da reportagem, até pelo inusitado de bicicleta transitar por rodovia federal em pleno cerco ao Coronavírus. Permitiu acompanhar o diálogo ao vivo pela televisão. O policial perguntou: Está indo pra onde? — Pra casa. — Onde é sua casa? — Bem ali. — E essa bicicleta? — É minha, só ando nela; sou mecânico de bicicleta. — Cuidado, só pode andar pelo acostamento. — Sei disso e só ando devagar.
Após rápida olhada nos pneus o policial entregou os documentos e, com a mão, autorizou Zé de Jesus seguir viagem. O ciclista montou na bike e prosseguiu em busca do perigoso Coronavírus.
Foi o assunto principal na cidade. A mãe chorou lamentando a polícia não obrigar seu filho voltar pra casa. Os conterrâneos acompanharam Zé de Jesus na televisão, igual ciclista profissional, e falavam com satisfação:
— Zé de Jesus saiu na televisão chegando em Feira de Santana. Quero ver quando chegar perto do Coronavírus. Bicho danado!
Todos admiraram a coragem. O prefeito mandou ler nota de felicitações na Rádio Comunitária. O presidente da câmara apresentou moção de louvor, que seria entregue no retorno do conterrâneo. Aprovada por unanimidade, foi apresentar à mãe aflita. Reação natural:
— Eu queria era próprio da filho perto de mim. Que Deus o proteja!
No outro dia, quando o sino da igreja bateu a primeira chamada da missa, a mãe estava sentada no banco da quinta fila. Soluçou quando o sacristão Tonico Vargas pediu saúde e coragem para o conterrâneo Zé de Jesus voltar em paz do encontro com o Coronavírus. O povo disse amém!
Que esse amém estenda-se por todo o país neste momento difícil para a saúde e, incrivelmente, de inquietação política.
Vamos aguardar notícias de Zé de Jesus, que saiu de bicicleta pelo mundo para conhecer de perto o Coronavírus.
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*Escritor, autor de A santa do pau oco, Purgatório de Eduardo, Memórias de um coroinha, Era uma vez um comunista, O legado da loucura, Lampião, governador de Brasília, O homem que morreu cinco vezes e A curva do vento. No prelo, Em Brasília zero hora.
